não pedi o sol


Não meus filhos, não pedi o sol

Não meus filhos, não pedi a lua

Só falei da vontade de ter também um papel

Daqueles que inventaram e dizem que és o que já és

 

Perguntaram então porque só agora

Perguntaram também, porquê tão tarde

 

Então respondi que o papel que diz que sou o que já sou

Não me faz quem sou, porque já sou.

E assim, não importava quando tinha que ter o que já tinha

Não importava o porquê de ter de ter o que já tinha, para ser o que era

 

Falei-lhes então do sol, que guardava a fogo dentro do peito

Das chamas de acácia, a deixar sair o perfume rubro pelos poros

Dos sons e cheiros que povoam as nossas estórias de vida

Da pele da terra que se nos colava ao corpo e vos deixei de herança

 

Das marcas e contornos das notas e timbres de cor

Dos licores e aromas quentes que me vinham das raízes

com que exalava a vida com volúpia e me sustentam

Dos sabores brandos de bálsamo com que vos fiz ver o mundo

 

Responderam então que cheguei tarde

Porque não havia, nem rei nem rainha, nem deus nem deusa, soba quimbanda ou matriarca

que pudesse conceder tal dádiva.

Não o sol, não a lua, mas algo superior

o papel que agora inventaram que diz que sou o que sou

 

Só que ninguém sabia ainda

Que eu tinha herdado da terra o poder maior

De guardar na alma o sol rubro de acácia resgatado a todos os dias felizes

E a lua de prata em notas de azul sobre o corpo de todas as noites iluminadas

 

Assim vos deixo meus filhos esta coroa de glórias

Sagradas no tempo do nosso império de memórias

 

E quando chegar esse tal papel, guardem na memória temporária