exercício de (dor) amor


Doi-me a sorte de te ser
sem o dote de te ter

Doi-me a tua vã presença
de tu estares e não te vêr
Doi-me a tua sã pertença
de te ser e não te ter

Ó chão meu, terra sangue,
quente amargo e bem querer
Dá-me o abraço o colo abrigo

fecha a porta e despe o luto
que entre o querer ir e o querer ficar
mora o espaço desta dor,


Ó luz minha, casa escura
quero vêr quero viver
quero estar quero-te ter

quero o espaço deste amor
Corre-me um rio
A alva aurora, malva incenso
Seiva, menta, mosto, encanto intenso

Fere-me a luz
A lava ardente, o vinho amargo, o doce fel

O sangue que me escorre, pulsa e veste
A alma,  a chama que me dest(p)e

Corre-me um rio
São bilros.
Só podem ser bilros.
 
 
Este emaranhado pensamento
Num perfeito encadeado de momento
No repouso no rebolo de pano tosco
Chão de vida, grossa palha ou algodão
Soberbo corpo, fina malha em veste de cambraia
 
Existência que repousas a cabeça na almofada
Assente no chão duro, estrado, forma,
base, casa, cama, tábua, enredo, armada
alma à altura do trabalho nobre e fino
nasces das mãos da pequena rendilheira
 
É a vida que cresce e corre no rebolo deitada
Sobre um lençol mansamente perfurado
 
No pique se desenha a vida em pequenos sulcos
Onde se apraz a rendilheira
Na base se espeta os alfinetes à medida da lida
Onde se deleita a rendilheira
No palco em que manobra as linhas, na dança, no jogo, no fogo cruzado
 
É a seda pura, o fino ouro, a doce prata, ou alvo linho
Na perfeição da geometria do complexo e delicado bordado
 
E em gestos simples avança a rendilheira
Jogo de mestria aos pares em contornos e volteios
torcidos, entrançados, movimentos compassados
alternados, rotativos, ritmados e cadentes
nos fios cruzados do destino das esferas
 
É a vida que surge das mãos da rendilheira
no rebolo, no pique, na tela, cartão de cor de açafrão,
no fogo, da teia, na dança dos pares, de linhas em jogo cruzado,
 
A renda, a pena, a graça ou luxo, da vida que enfrenta as feras
 
porque é de bilros
porque só podem ser bilros