hoje

Hoje vamos riscar o sol de uma rapsódia de azuis
e deixar que a sua lava amarela lamba o mar deitado aos nossos pés
enquanto mansamente se balança e descansa entre marés
a seguir, pé ante pé enrosquemo-nos entre os dois
e deixemo-nos fundir no seu colo entre temperos de luz

almas feitas cravos rubros em chamas de sul

Fiz-me nascida de dois pais pares a par
hoje vista de maneira diferente
mas mesmo assim com outros muitos olhos de mau ver.
Traziam consigo a natureza de mãe que me não pariu
mas vincaram-me o legado deste ser de mim.
Feita desta feita só hoje me reconheci
este mim que hoje faz ver-se com outro olhar.
Perguntaram-me ventos do sul de onde és
e os do norte o que és afinal
e a todos respondi o que o pai do norte me ensinou:
Não!"Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui...!"
assim com o verso do soneto presente que me alimentou me aquietei
Eis então que os olhos e as bocas do sul se escancaram
e de esguelha me encurralavam perguntando
E quem és afinal? para onde vais? o que esperas tu?
e a todos respondi o que o pai do sul me ensinou agora com o recado da alma de ventos do norte:
o que quereis vós, que alvíssaras vos hei-de dar?
"Não me peçam sorrisos ... as honras cabem aos generais...
...num novo catálogo, mostrar-te-ei o meu rosto
coroado de ramos de palmeira, e terei para ti os sorrisos que me pedes"
Assim feita de dois pais a par, ary e neto se colaram
em almas feitas cravos rubros em chamas de sul
deixando recados selados sagrados de almas gémeas
"...Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu", pois é assim chegada a hora "...de juntos marcharmos corajosamente para o mundo de todos os homens"

Excertos de poemas:Ary dos Santos e Agostinho Neto