a visita

estava sossegadinha quase enroscada no banco,encostada ao vidro a tentar não adormecer no quente morno do entardecer. acho que já estava mesmo a dormitar apesar dos safanõesinhos de devez em quando a fazer-nos olhar melhor a paisagem. desculpa canhanga mas acordaste-me. mas ficas tanto tempo sem me visitar, e agora vens assim de repente sem me avisar? eu tinha ficado só com aquela recordação do Umpulo do velho nos tempos de ainda muito jovem a acompanhar as crianças do senhor da loja em frente à administração. sabes que ninguém esquece o mais-velho? ele habita na vida de todos aqueles que preencheu e amou. depois, misturas-me nos sonhos alheios que nem ouso fazê-los meus. sabes que te podes tornar cúmplice de um salto? e sem rede? e que depois nem a coroa de bunganvílias me esperam e não vou ter como voltar?
e agora? dispo-me de faz-de-conta ou a sério? agora fizeste-me mergulhar no verde fundo a pensar no cheiro do mar. é que as lágrimas são mesmo salgadas. não, não são de tristeza. são daquelas silenciosas que se alimentam do estado do espírito e desgovernam o nosso eu que teima ser como deve ser.