A história da Formiguinha que prendeu o pé na neve


A mãe raramente contava histórias.
Era o pai, quando voltava de viagem a cada duas semanas por vezes, que ao cair da tarde no quintal, quando a mandioqueira já não fazia sombra e só nos recolhia, ele punha as cabeças da miudagem do bairro que se juntava a nós, a viajar com ele pelas mil e uma noites, e pelos palácios de jade iluminados pela lâmpada do Aladino, ou a acompanhar as façanhas do Miséria, que andou mundo fora e cá se deixou ficar.
A mãe administrava os cheiros e as cores da casa, da nossa vida.
Houve um dia porém, que a mãe nos surpreendeu. Ainda estávamos no planalto central, com o pai longe no quente da capital a arranjar sustento.
Aqui, fazia frio, boa altura para a mãe fazer a manteiga saborosa, feita como leite comprado cedinho à porta, que se punha a dormir lá fora na varanda, e acordava fresca pronta a por no pão quente acabado de fazer no forno do quintal. Só que nesta altura, não havia cheiro de pão, e a tarde parecia não acabar. A mãe nesse dia não pos a mesa e aninhou-nos à sua volta e começou a história da formiguina que prendeu o pé na neve. Chegou a hora do jantar e a mãe continuava a história acabamos um a um por adormecer.
E é desta história que me lembro contada pela mãe. Todas as outras eram histórias das nossas vivências, do avô, da infância que nos faziam a companhia de todos os ausentes e nosprendia às nossas raizes. Das outras histórias ficou a da formiga que anos mais tarde,já adulta percebi que não tinha sido nada mais do que a única forma da mãe substituir o pão que naquele dia não havia para por na mesa.