assim os sonhos têm cheiro

desde que me lembro que a mãe faz as nossas delícias com o cheiro vindo da cozinha. assim o natal ficou sempre para nós com o cheiro dos sonhos. assim os sonhos têm cheiros e os sonhos são cheiros e há também cheiros de sonho.mas os sonhos de sonho são outros e não caducam de facto.
hoje,os caixotes de sonhos(*) fizeram-me lembrar a mãe,só isso.

(*)caixotes de sonhos foi o texto do J.Cê no seu blogue
e foi o meu comentário lamechas, só isso

passar o testemunho | acho que está na hora da quissangua

já tens algumas falhas de memória que em tempos me levou a todos os mundos que ainda não tinha visitado e a lugares onde só a nós nos deixaste entrar.
arrastas os pés que ontem ligeiros, calcorrearam as poeiras e nos ensinaram muitos caminhos.o teu corpo já em vão se esforça para te ajudar a seguir-nos nas nossas pressas de nada.
fazemos sempre as tentativas de longas conversas mas agora ficas-te só por algunmas frases que repetes mais tarde e só nalguns momentos mais felizes te descobrimos, e foi num destes que apanhei e te consegui segurar. não pude deixar de registar, e sabes? acho que o fio que ainda te prende é mesmo este. o da memória feliz dos dias quente mornos. o doutor descobriu a forma de te fazer voltar daquela vez desta maneira, quando te falou em quimbundo e tu só dessa forma respondeste e voltaste do lado de lá. e a mim, tem-me escapado muitas vezes esta forma de te fazer voltar às conversas longas, aos risos e gozos bem gozados.
foi quando me lembrei da receita da quissangua. se dava com milho ou não, podia ser amarela ou branca, essas coisas. Aí juntastes-lhe todos os preceitos, não balbuciaste ou repetiste,nada de incoerências. saíu-te escorreita e firme como nos velhos tempos. foi mesmo ao telefone, naquelas alturas em que nos ficamos normalmente pelo se está tudo bem, e pouco mais. não esqueceste de recomendar que depois vou aproveitar o fermento que fica para as próximas vezes, que fica três dias e cuidado se for na garrafa de vidro ter cuidado porque pode partir com a fermentação. Que dá para fazer com milho mesmo, e ainda deu para rirmos dos tempos que fazias crescer o dinheiro que o pai não conseguia mandar, com a tua bebida proibida que te fez passar uns bons maus bocados na administração. Aquela da denúncia do polícia invejoso que foi inventar bebedeiras à porta e outras coisas más que podiam difamar o bairro quando só vendias às escondidas no quintal das trazeiras o teu "cachipembe", que aliviava as dores das almas dos teus fregueses do "rivingui" e punha o nosso pão na mesa. assim a nossa conversa ficou doce e até nos esquecemos dos teus males de agora mãe. acho que está na altura da quissangua. vou tratar de começar eu a fazer. é que eu depois também tenho que passar o testemunho.